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É olhe quando a gente quer dizer escute

Diante de mais uma que nos deixa, coloco-me numa espiral vital de formas e mulheres derivadas de uma criação literária e cinematográfica por duas mulheres distintas.


Toda mulher é um pouco Macabéa, diz Suzana Amaral. "Todas temos um pouco de inferioridade um pouco de medo, insegurança”, no entanto quero acreditar e me pego em minha fé sabendo que trazer a história aos olhos e soltá-la no mundo não é também libertá-las?


Vasto caminho em que Macabéa não poderia seguir viagem.


Conheci sua história diversas vezes e todas me parece uma pessoa diferente. Às vezes deslocada pelo seu estrangeirismo em seu próprio país, outras pelos pregos e parafusos, outras ainda por não compartilhar dos mesmos afetos com seus próximos tão imersos em suas próprias vidas.


A personagem de hoje, após suas criadoras a atirarem a mim, ouço sua própria definição - Sou datilógrafa, virgem e gosto de Coca-cola - pergunto: por que Macabéa se definir a partir de três palavras se suas perguntas nunca têm respostas? Talvez seja porque costuma comer cachorro-quente ao invés de queijo com goiabada, por ser mais barato. É o que dá. Sabemos. Porém, em seu interior não há pobreza.


Com que audácia mente para seu chefe que vai ao dentista para comparecer ao seu casamento consigo mesma? Como ousa mandar embora o namorado que termina com você? E ainda se esconde para trocar de roupa debaixo dos seu lençóis brancos.


Macabéa é aquela que usa o pinico ao mesmo tempo em que come uma coxa de frango, e também aquela que faz perguntas metafísicas ao namorado que nunca aventurou-se a tocá-la e ouvi-la de verdade. Ouvir aqui quero dizer escutar enfaticamente.


Dentro de você estão a onipresença de suas criadoras, primeira, segunda e tantas outras que ainda vêm. Multidão de mulheres que ainda gritam para que sua colega possa seguir acreditando que aborto não é pecado, o que, eu sei Macabéa, não é um questionamento pra você.


O cinema de Suzana se esconde e mostra, procura e amplia a insignificância de Macabéa ao deixá-la enxugar as mãos em sua saia detrás do namorado. Ao mesmo tempo que a diminui, à medida que o movimento de miss en scene dos opostos namorados refletem sobre o mundo enquanto ele acaba, com a pseudo relação dos dois. Desproporcionalmente ao tamanho que Macabéa vai tomando, sua fala aumenta, reage. Será que se acostumou a ser gente*?


Questionamentos Macabéa, são maiores que seus coadjuvantes, mas menores que você. “Me senti Macabéa em Nova Iorque”, sua mãe cinematográfica diz. Temos que nos acostumar a ser gente estrangeira, especialmente se saímos de dentro do Brasil. Seu namorado Macabéa, tão forasteiro como você grita pro mundo, resoluções concretas, políticas. Ele precisa de gente, água diz que tem. Mas o que é cultura? Ele não te respondeu. "Cultura é cultura" foi o que te deu. Ele dizia que suas perguntas nunca tinham respostas. Não entendia também que as pessoas respondem com o corpo.


Somos sim estrangeiros dos outros. O importado te salvou em seu sonho, mas não esqueça que era sonho Macabéa.


Gostar do barulho do trem e ir ao dentista é também ser você quando querem te dizer pra viver.


Sua história anda, e eu Macabéa brasileira continuo me perguntando se afinal, “mulher de deputado é deputada também"?


*

-“Por que você não fala de você? (…) Gente fala de gente.

-Eu não sou tão gente.

-Se você não é gente é o que então?

-É que eu ainda não to acostumada."

Filme: A hora da Estrela, Suzana Amaral, 1985, Brasil



Paloma Gomide cineasta e fotógrafa

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