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A Casa Vermelha fechou

Quarta carta de quarentena


Depois de oito anos sediada na rua Conselheiro Mafra, número 590, a Casa Vermelha está deixando o endereço físico onde surgiu. Fechada desde 14 de Março de 2020 por conta da pandemia, e, sem projeção de retorno presencial para o ano de 2021, decidimos por entregar o imóvel alugado definitivamente. Deixamos um lugar que como diria a placa que penduramos na varanda no momento de nossa chegada, “nunca mais será o mesmo”.


Foram anos muito produtivos no espaço, que envolveram a comunidade e os artistas da cidade em torno de uma proposta política, coletiva, comunitária e alternativa. Anos em que aceleramos as nossas trocas e parcerias, conhecemos novas pessoas, desenvolvemos projetos e pesquisamos a criação artística em nossos ensaios, laboratórios, aulas, cursos e oficinas. Em primeiro lugar precisamos agradecer. Agradecer a qualquer um que em algum momento subiu as escadas e conheceu a Casa Vermelha. Agradecer aos nossos colaboradores, artistas, parceiros. Agradecer aos nossos alunos e ao nosso público que prestigiou e fez manter de pé a proposta nos últimos oito anos.


Durante todo o ano de 2020 pensávamos em deixar o espaço, principalmente porque assumimos de forma plena a necessidade de distanciamento social, mantendo a Casa sem atividades antes mesmo dos decretos do governo do estado. Mas, não haviam recursos para fazer a reforma exigida, e o projeto foi adiado até a entrada dos valores dos auxílios emergenciais, pagos somente no final do ano.


Ao mesmo tempo, não tínhamos nenhuma vontade de pleitear uma retomada de atividades, porque analisávamos já em novembro do ano passado, (como analisava qualquer pessoa que não se posicione de maneira negacionista), a impossibilidade da nossa atividade retornar de maneira segura e saudável para o público e os artistas. Na nossa opinião, a atividade teatral, principalmente em uma sala como a nossa, só poderá acontecer após a vacinação em massa da população. Infelizmente, as posturas governamentais, incapazes de gerir um projeto de unidade nacional contra a doença; a postura empresarial, investindo irresponsavelmente na continuidade de atividades que notoriamente promoviam aglomerações e outras situações; e a postura da população em geral, que muitas vezes por necessidade (gerada pela falta de um projeto que a mantivesse segura), mas muitas outras por pura irresponsabilidade, não soube assumir sua parcela de compromisso no combate à doença geraram uma situação que só fez piorar e não tem horizonte de melhora. Não queríamos estar nesse lugar, de fingir a possibilidade somente para manter nossa atividade profissional acontecendo.


Paramos sem parar. Transferimos para o ambiente virtual todas as nossas atividades. Aulas, cursos, oficinas, estão acontecendo através de video-chamadas. Apesar de toda a inexperiência e desconhecimento, investimos em projetos de pesquisa que possibilitassem manter viva a nossa comunidade. Surgiram projetos novos em que pudemos coadunar a nossa vontade de não deixar de fazer com o nosso desejo de experimentar. Trabalhos criativos foram feitos experimentando as ferramentas virtuais, como Cárceres Privados e Experimento para uma outra Antígona (criações do Teatro em Trâmite), Beijo no Asfalto e SóS (resultados dos cursos que seguiram acontecendo online) e outras iniciativas que ainda não vieram a público.


Decidimos no início deste ano que iríamos manter nossas atividades nesse ritmo virtual durante o ano todo. Não vamos voltar para o palco ou para a rua, a não ser que exista segurança sanitária para isso. Não vamos dar aulas, apresentar espetáculos, oferecer encontros presenciais. E por isso, manter a Casa Vermelha como um espaço físico não tinha sentido. A partir do momento que tivemos recursos para fazer a reforma de entrega do imóvel (principal uso do nosso prêmio Trajetórias), assim o fizemos.


Mas, a Casa Vermelha não fecha portas. Ela é muito maior que o imóvel que ocupou nos últimos anos. Ela é as pessoas e os coletivos que ali se fortaleceram e se forjaram, é a presença e a atitude de cada um de nós. Entregar o imóvel não impede que digamos que estamos vivendo hoje o nosso nono ano, o segundo em ambiente virtual. Seguimos nossa história como quem sempre soube que ela é poderosa o suficiente para vencer qualquer intempérie. Estamos literalmente colocando essa afirmação à prova no último ano, e apostamos em seguir firmes nesse propósito até podermos voltar presencialmente.


Entendemos esse período como um período a ser usado para se fortalecer e fortalecer o outro. Nossos encontros, mesmo que virtuais, têm sido de uma carga afetiva e emotiva enorme. Precisamos estar juntos, mais do que nunca. Precisamos pensar e sentir juntos toda essa situação.


E precisamos de arte, de qualquer arte, da arte possível, da arte experimental que nos permita não sucumbir a essa pandemia e à maneira como estamos lidando com ela em nosso país. Estamos com a consciência tranquila de termos cumprido todas as exigências, de termos parado todas as nossas atividades, de termos colaborado com o que estava a nosso alcance. Sacrificamos o que podíamos para ajudar no combate a essa situação, que entendemos, é tão coletiva quanto o nosso trabalho no palco.


Convidamos a todos e todas que acompanhavam a Casa presencialmente, que o sigam fazendo, agora online. O projeto segue fortalecido pelo abraço que as pessoas envolvidas com a Casa (público, parceiros e artistas) ofereceram. De maneira coletiva, temos achado saídas para a manutenção do projeto e principalmente para o fortalecimento das pessoas. Estamos juntos, fazendo coisas diferentes em lugares estranhos para nós, mas mantendo os mesmos propósitos que nos levaram a assumir oito anos atrás o compromisso de alugar um espaço no centro da cidade entendendo que a coletividade tinha força para mantê-lo de pé. E assim foi durante esses oito anos. Assim está sendo durante esse período tão difícil e estranho de pandemia. E há de ser quando tudo isso tiver ficado para trás.


Seguimos.

Evoé!

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